TUMULTO BALAIO
Vizinhas em motivação, luta contra a exploração, a escravização, o sequestro de terras e riquezas pelos colonizadores, no Maranhão explodiu a Balaiada.


Loc: Espaço Cultural de Sobradinho

Olhe que a província quebra
Vá lá dar trela pros cabanos
Ninguém de cá mora em sobrado
E tem tempo que só chega boi
Na roça tenho três magros e um cavalo
Nele nunca mais montaremos para pastejar teu gado
Enquanto a capital investe na independência deles
Tocamos para perto os teus bixadeiros
Teu mundo é de gente que nem conheço
Soube esses dias só que lá era todo esse marfim
Estive em fuga e comprometido
Outrora estive preso
Digo sem medo: é deixar o sol esfriar que te mato
Como fiz com seu Francisco
Ou me mate antes disso
Meu corpo é um risco
Na madrugada está dito: ninguém me acha em Vila da Manga
Estamos para mais de 3.000 faz dia debaixo do relento
Aqui quem fala é Cosme Bento
Tem para mais de 10.000 na lavoura
Todo mundo tá sabendo
A luta é contra a fome e o chicote
O quilombo tá crescendo
A luta é contra a morte
A gente aceita quem tu chama sertanejo
A gente também foi fadada à vaquejada
Ninguém mais vai gritar bem-te-vi
Conhecemos a ave da seca
Tem quem tá aqui do teu lado
Quem acha por bem ser escravizado
Quem não te conhece
Quem nunca deu de frente com o colono
Quem só ouviu notícia
Quem já por gerações de baixas
Hoje anda com medo
Mas, já tarda, Araújo
E a gente precisa desse rio
Todo dia cedo
Vem de caminho com estrada dura
Compra guerra comigo
Coloca-me contra os jagunços
Tua vida é tal qual piada
A gente não quer nada disso
Nem busto de pedra nem nada
Nem cabeça no meio da rua
Sabem que se eu for alvejado
Do meu corpo dão sumiço
Podem saber de onde venho
Podem ter meu rosto no papel
Contra os meus não fico
Chame mais de um quartel
Tamanha era a resistência ao trabalho e à condição de escravo que, quando eclodiu a Balaiada (1838), a revolta dos negros e os numerosos quilombos já sacudiam todo o Maranhão. E todo aquele movimento ganhou mais consciência quando liderado pelo negro Cosme Bento das Chagas. Inclusive, a insurreição escrava teve continuidade mesmo após o fim da revolta dos balaios (1841). Também, antigos e novos núcleos de quilombos se mantiveram ou foram criados, alguns concentrando cerca de 400 a 500 quilombolas.
Fabricantes de balaios do século XIX.
(...)
Com o alastramento da revolta dos balaios e dos movimentos de fugas, quilombos e insurreição de escravos foi todo o sistema de poder, produção e dominação escravista maranhense que esteve ameaçado. Em 1839, conservadores e liberais superaram as suas divergências e passaram a unificar a luta contra aqueles que ameaçavam a continuidade do sistema.
(...)
Mas, diante de tudo isso, o grande foco da revolta escravista foi na região de Itapicuru, que chegou a concentrar cerca de 20 mil negros e ameaçou o “sossego público” do Maranhão. Daquela região o negro Cosme, ao fugir da cadeia de São Luís, iniciou uma grande insurreição de negros em várias fazendas da redondeza. O negro Cosme distribuía cartas de alforrias a seus seguidores e concedeu a si próprio o título de “Tutor e Imperador da Liberdade”. Cosme sabia ler e escrever, tinha cerca de 40 anos e chamava a sua luta de “Guerra da Lei da Liberdade Republicana”. Estendia a Irmandade do Rosário a todos aqueles que apoiavam a sua luta. Como líder espiritual, era onde o negro Cosme concentrava todas as suas forças.
Cosme Bento das Chagas, como chefe negro, expressou o seu grau de consciência política e o valor que dava à liberdade, quando procurou estabelecer uma escola de ler e de escrever no quilombo de Lagoa-Amarela, na comarca do Brejo. Chegou a liderar cerca de 3 000 mil negros. (...)" (BORGES, 2009)
maranhão berço de heróis
êêê maranhão berço de heróis
mas eu não falo de caxias
e nem também do império, irmão
eu falo do negro cosme
matroá o seu irmão
lutaram na balaiada
contra toda opressão
representam o povo sofrido
expurgado de seu chão
ô pelas balas traiçoeiras
dos que não fazem a produção
que se dizem donos da terra
mas não produzem nenhum grão
salve as quebradeiras de coco
ôi, ai, ai, dos cocais do maranhão
salve essa gente sofrida, ô meu deus
que produz e não tem chão"
ladainha de mestre Marco Aurélio
Fonte:
BORGES, Edson. A rota da liberdade do negro Cosme Bento das Chagas e a Balaiada (1838-1841). 2009
Disponível ein https://www.geledes.org.br/negro-cosme-bento-das-chagas-e-balaiada/ , consultada em 2024.

