TUMULTO CABANO
O Governo insurgente da Amazônia que se espalhou pelas suas veias em rios e igarapés difundindo ações e ideias contra os abusos da colonização.


Loc: Beco da Cultura, Mercado Sul, Taguatinga
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O sol rachava de um tanto
Que a densa lavoura cozinhava
O cacau trincava fruto à revelia
Muito tabaco
Ali quem vivia
Vestia roupa alguma
Porém, justo isso
Muito tempo já fazia
O tempero de Maria
Da boca o corpo escancarado
Mulheres vendidas na praça
Um monte de roupa rasgada
Nuas, sem igreja
Batendo nos sinos sagrados
Tantas feitas a elas foram dadas
Entre discussões nos palácios modernos
O querer dos senhores contra a vida
Onde sempre no sangue há verão
Nas silhuetas horizontais
Infinitas do Tapajós
Para quê edificar muralhas de pedra sangrenta?
O rio é um só e enorme
Não é desejo dele a palafita!
Aqui não cai cabana quando venta
E mesmo assim, quis tu, né, Bernardo?
Amar o povo pela via política
Como também o fizeram outros tantos
Foram chamados de refugiados
E impregnaram na mata o suor branco
Para emparelhar planos de poder
Roubar a identidade do gentio
Agir com a força do tear
Embrenhar-se entre a cuia
Alimentar-se do nutriente viril
Do povo Tapuia
Fagulhas dos primeiros projéteis
Maçons em corpo de gente
Gozam de boa fama na praça
Falam a língua do colono
E ao tronco tupi
Continuamos bárbaros
Tais que o Português não entendeu
Só fez valer a ignorância
Mantendo a ordem do clero
E ao invés de república
Manteve a saúde do império
E agora pede as baixas
Quando é quem mais a produz
De nome carrego mais Maparajuba
Que Miguel, Apolinário ou Firmeza
Confusão alguma mantenho
Sobre a destruição de vossas casas
Sei dos verbetes desse dicionário maldito
Compreendo que há razão fortuita
Que inflama, quando antecipam atos
Empolvorosos que balançam coroas
E que isso inventam que quem promove
Traz na tez o aborígene
Daqui só sai maqueira e preguiça?
No espanto encontra a morte
E vem agora exigir liberdade ao seu barco
Dando a ele o nome Tucunaré
Quando mesmo não agüenta dois dias
Diante a melancolia de um igarapé
Pois é
Haveis de achar pouca graça
Quando morrermos aos montes
A prática que em meu íntimo suplico que não
O inevitável de sua circunstância
Tem quem foi mandado matar
Uns tantos de subordinados teus
Usavam a gente e tu nem fazia a conta
Achou sempre que eram brancos capangas
Quer estar do nosso lado?
Então, não morra e comigo não deixe morrer
As margens do Cuipiranga
Sim, traz o nome tupi
Assim como sou tapuia e faço de mim
Quem protege a fonte arredia
Daqueles que vivem aqui
Ansiosos pelo raiar do dia
Parece que tudo
Tem que ver sempre com quem lá está
O resto é mudo
Até o Grão-Pará
De lá que vem o provérbio sensato
Do indígena no meio do mato
Que se vinga da própria esperança
Deita-se a morrer
Por essas cruéis alianças
"A bordo da escuna Bela Maria, o primeiro-tenente Joaquim Manoel d’Oliveira e Figueiredo fazia uma varredura pelos arredores do rio Carnapijó, na Vila de Cametá, no Pará. Estava atrás dos rebeldes do levante que ficou conhecido como Cabanagem, e pretendia salvar os cidadãos que estivessem à mercê deles. Conseguiu prender pai, mãe e filho de uma só vez, conduzindo-os a Belém. Portando uma arma, Raymundo Hilário, líder dos cabanos, foi ferido e faleceu 48 horas depois. Mas no relato do tenente, em um ofício de 1836, quem ganhou destaque foi sua mãe: “Margarida de Jesus: mulher do antecedente foi presa por ser clamor geral, de que ela é tanto ou mais ferina do que o marido e o filho”.
(...) Ao longo de cinco anos de batalhas, a Cabanagem alcançou vilas e povoados distantes, chegando às fronteiras internacionais com a Guiana Francesa, a Venezuela e o Peru. Os moradores levantaram-se contra a situação de miséria generalizada na província, na luta por liberdades e direitos, inclusive a terra. Havia um viés étnico na revolta, e uma profunda aversão ao mandonismo branco e português. Entre os participantes estavam lavradores, fazendeiros, criadores e proprietários, carpinteiros, carpinas, alfaiates, ourives, sapateiros, seringueiros, pedreiros, militares, vaqueiros e sem ofícios. Também entraram no movimento amazônico indígenas, como os muras e os mundurukus, além de tapuios, mestiços e pretos, africanos e nascidos no Brasil. Todos ficaram conhecidos como cabanos.
(...). É o caso (sobre participação feminina) de um ofício de agosto de 1836 escrito por José Francino Alves, comandante militar da freguesia de Igarapé-Mirim. No documento ele informa ao presidente da província, Francisco José Soares de Andréa, que prendeu cinco cabanos ao longo do rio Meroê, e diz que durante a caçada aos rebeldes pela mata, pelos campos e rios encontraram “algumas mulheres ocupadas em fabricar pequenas porções de farinha” – supondo que fosse “para fornecer a alguns malvados, que por ali ainda vagueiam escondidos”." (FERREIRA, 2015)
"Em breve, sob o comando de Apolinário Maparajuba, uma tropa de mais de 1.800 homens seguiria para levar a revolução ao alto Amazonas. Maparajuba, que também assinava Pureza e Firmeza, era o nome que despontava em todas as ações vitoriosas no alto Amazonas, um nome de guerra para alguém extremamente sóbrio, quase seco em seus gestos, com estilo direto e uma enorme capacidade de se comunicar com os cabanos mais humildes. Devia ser filho da terra, porque sabia como falar com aquela gentinha enfurecida com a qual entrou na Barra (Manaus), sem resistência, em 6 de março de 1836. A Revolta da Cabanagem já era um fato irreversível.
Pelas margens dos grandes rios, subindo o Negro, pelas praias de Maués, nos Autazes, até o Içana, levantes armados de características desesperadas e messiânicas iam levando de roldão os prepostos do continuísmo colonial." (SOUZA, 2019)
Fonte:
FERREIRA, Eliana R. . Guerreiras da Amazônia. Revista de História (Rio de Janeiro) , v. 1, p. 1-3, 2015.
SOUSA, Herculano Inglês de. O rebelde e outros contos amazônicos. São Paulo: Editoria Scipione, 2007.
SOUZA, Márcio. História da Amazônia : do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. Rio De Janeiro, Rj: Editora Record, 2019.

