TUMULTO MALÊ
Na primeira metade do séc XIX, a Revolta dos Malês se estrutura principalmente em torno da liberdade religiosa e da dignidade de vida de pessoas negras na Bahia.


Loc: Feira do Guará

Já vinha de antes tais auçás
Lá em 14 do XIX
Avançavam até o Recôncavo
A derramar sangue branco nos ladrilhos
Sublevando nossos irmãos nos engenhos
Na busca de movimentar as gentes
Já que a regência nada move
A união de etnias
Súditos de um mesmo rei em África
Na cidade de Salvador
Onde 60 mil habitavam
E mais de 25 mil tomavam açoite
Imalês do Benin letrados
Teciam seu complô em árabe
600 superiores
Mais cultos que seus senhores
Com seus amuletos em seus corpos
Colados
Em Ramadã, mês de janeiro,
O último dia do rito
No porão do Calafatti
Guilhermina, o que te deu?
Foi por não aceitarem crioulos no combate?
De mestiços também não houve apoio
Guilhermina, o que ganhaste?
Por que alertar a polícia
Em seu depoimento sem tipo?
Era para termos derrubado sobre suas cabeças
A igreja do Bonfim
Ao invés quebramos pau
Na praça Castro Alves
Aumentando o medo do colono
Apesar da investida sufocada
Éramos metalúrgicos, alfaiates
Guerreiros e guerreiras em quitandas
Chamados todos escravos de ganho
Como é conveniente ao branco
Dizer que o seu fim era o nosso intuito
Isso tem cabimento
Mas, para o tempo não tem tamanho
E Maulama Aruna
Com seu rosto nagô escarificado
Foi lhe dado o nome à liderança
Porém, também ao governo
Ê, Guilhermina, o que ganhaste?
Quantos hoje não sabem da história
Por trás de nossas cicatrizes!?
O tumulto foi divulgado em panfletos
E os gritos em silêncio nas ruas
Quem operava era Luíza Mahim
Sabida de comprar sua liberdade
E daí em diante enviava mensagem
Em seus quitutes e quindins
A mãe de Luiz Gama deportada
Ô, Guilhermina, católica!
Em abadás vestidos
E oris cobertos, patuás
Surpreendidos pela polícia
Em fuga investimos até a prefeitura
Resgatar Pacífico Licutam
Preso sem ter feito nada
Leiloado
A dívida hoje eterna do senhor de engenho
O colono que devia ao governo
E quem paga é o nosso povo
Então, marchemos até o forte de São Pedro
Tomando tiro
Até a Cidade Baixa
Em Água de meninos encurralados
O massacre à beira mar
Fuzilado Jorge Barbosa no campo da pólvora
Também, Pedro, Gonçalo e Joaquim
Nagôs
Agora o medo aumenta na regência escravocrata
Voltemos então Agudás
À Àfrica
Misturados de costumes
Compartilhados nas terras dos papagaios
Sem o peso da desconfiança racista
Ou a falsa moeda do 13 de maio
Entardecer do dia 25 de janeiro de 1835. A noite começa na cidade de Salvador da Bahia. Caminhando do Largo de Guadalupe até a Praça do Palácio, do alto da Ladeira da Praça pode-se ver o sol se pôr na Baía de Todos os Santos. Na Praça, encontramos o Palácio do Governo e a Casa de Câmara, onde também funciona a cadeia. Por trás das construções, corre o Rio das Tripas (...). Até 27 anos antes, Salvador deteve a posição de maior cidade do Brasil (REIS, 2017, p. 20-27; FREITAS, 1985, p. 16). Pólo econômico vital para a economia de três continentes, suplantando todas as outras províncias brasileiras na exportação de açúcar, tabaco, cacau e aguardente, a Bahia mantém sua economia estirada ao máximo (FREITAS, 1985, p. 12; REIS, 2017, p. 36 e 39). O modelo econômico se esgota, mas as próprias contradições impedem qualquer mudança. Mesmo irresistivelmente endividada, a sociedade da Bahia faz o possível para manter as aparências de outrora (MOURA, 2013, p. 212).
Na madrugada do vigésimo quinto dia do mês do Ramadã do ano de 1250 – pela contagem da Hégira –, uma denúncia leva um juiz, acompanhado de um tenente e dois soldados, a um sobrado na esquina da mesma Ladeira da Praça com a Rua Direita (REIS, 2017, p. 9 e 129-130; MARIANO, 2012; FREITAS, 1985, p. 82). Haveria lá uma reunião de planejamento de uma insurreição por africanos. Os escravizados são a maioria da população da Bahia, e seus senhores endividados já não conseguem lucros suficientes para manter um padrão próprio de vida que, muitas vezes, não vai além de sustento e vestuário – o que pode parecer luxo demasiado para a incipiente classe de pequenos negociantes (...) (FREITAS, 1985, p. 14) –. Em meio a isso, as notícias frequentes sobre as guerras na África e a revolução no Haiti (MOTT, 1988, p. 11-18, FREITAS, 1985, p.45, 52-53, 89 e 94) mantêm a pressão social no extremo."
"Ademais, apesar de manter – em relação às revoltas anteriores – a preponderância Yorubá/Nagô, a agregação de africanos de outras etnias foi mais intensa: além da maioria Yorubá, há um grupo significativo de Haussás, mas também há registros de Iabus, Benins, Minas, Jejes, Mundubis, Tapas, Bornus, Baribas, Grumas, Calabares, Camarões, Congos e Cabindas. E, apesar do movimento ser capitaneado por muçulmanos, há a presença de adeptos de religiões de orixás que, entre o status quo de um império católico e o apoio a rebeldes muçulmanos, optaram por este." (p.16)
"Apresentando-se-lhe duas tábuas, uma escrita, e outra limpa, e sem letras, disse que a limpa já estava lavada das letras […] cuja água se bebe por mandinga, mas depois que tem vinte vezes escrita, e que a outra escrita era a segunda lição de quem aprende a escrever. (Devassa do levante, p. 131, apud REIS, 2017, p. 226)"
Fonte:
DARISBO, Guilherme Valls. Identidades, política e misticismo na Revolta dos Malês (Salvador, Bahia, 1835). Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Silveira. Dissertação (Mestrado Acadêmico). Universidade Federal de Ouro Preto. Departamento de História. Programa de Pós-Graduação em História. Mariana – MG, São Paulo – SP, Gatineau – QC, 2020. Disponível em: https://www.repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/16410/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O_IdentidadesPol%C3%ADticaMisticismo.pdf

